Em 1621, uma postulanda foi protagonista de um escândalo que abalou a sociedade lacobrigense...
Os conventos religiosos, nesses tempos, eram ancoradouros para
moças menos casadoiras, baixios para outras encalhadas e casas de reclusão para algumas devotas, mas todas tinham
que pagar a sua estadia de uma maneira ou outra. A Igreja não estava pelos
ajustes de financiar estas estadias, antes pelo contrário. Cabia a cada uma,
não só provar que podia, mas efectivamente contribuir com a renda necessária à
sua diária. Quem não pagava sofria as consequências que podiam chegar à
expulsão do claustro.
Aldrabas dos portões do convento de Santa Cruz em Coimbra. |
Às suas portas aparececia de tudo mas sempre do
estrato social superior. Alguns conventos foram mesmo criados por conjuntos de
mulheres, viúvas e solteiras, filhas família – expressão que queria dizer que
as suas famílias tinham historial de serventia de cargos da república ou que
tinham sido nobilitadas de alguma maneira –, mas que preferiam uma vida de
reclusão protegida dos rigores da vida mundana.
Cada convento tinha o seu responsável espiritual que apascentava o seu rebanho, ouvia confissões e programava as devoções
religiosas anuais. Às vezes mais de um paramentado frequentava determinados
conventos que, pela colorida vida que levavam algumas das postulandas, criavam
uma reputação menos conservadora, para dizer de alguma maneira! Quando a movimentação e a actividade no
convento se tornavam notórias o falatório começava e algumas cartas ou bilhetes
eram escritos revelando a indignação da sociedade circundante e delatando
denúncias, produto, quem sabe, de invejas.
Às vezes, o falatório era tal que as visitações eram
antecipadas para investigação do que se estava a passar. Eram colhidos
testemunhos e chamadas vizinhos a depor sobre as ocorrências. Foi este o caso
do que se passou com Sebastiana Rebelo da Fonseca.
Nome: Diogo Rebelo e, por de baixo, assinatura de Alfaqueque-mor |
Sebastiana era filha natural de Diogo Rebelo da
Fonseca, 5.º e úlimo alfaqueque-mor dos reinos unidos de Portugal e Algarve por
carta de 22 de Abril de 1598, e neta do 4.º alfaqueque-mor Vicente Rebelo e de
Brites do Rio casados na Sé de Lisboa a 30 de Março de 1573.
Parece que este tipo de problemas relacionais acontecia
na família. Brites do Rio nasceu bastarda sendo seu pai, Luís de Castro do Rio –
pessoa grada e fidalgo de D. Sebastião – solteiro e sua mãe casada, coisa não
tão comum. Acabou sendo legitimada por carta régia em Julho de 1578 pouco
depois de casar, como se constata pelas datas.
O filho, Diogo Rebelo da Fonseca, nunca chegou a casar
mas ainda assim nasceu Sebastiana filha natural de
mulher solteira. Para completar o quadro Diogo ensandeceu.
Religiosidade forçada ou espontânea não faltava na
família pois Diogo tinha mais três irmãos, duas freiras, Isabel e Violante e um
clérigo Afonso, meio-irmão, sendo por isso Diogo herdeiro universal de seu pai. Suas tias
já estavam num convento em Lagos. Que fazer com Sebastiana?
Provavelmente a solução acabou por passar pelo
Convento das Carmelitas Calçadas de Lagos onde residiam suas tias.
O convento da irmandade das Carmelitas Calçadas de
Lagos foi o segundo edifício da ordem do Carmo a ser construído em Portugal por
iniciativa do padre Cristóvão Dias, depois do primeiro ter sido criado em Beja.
Ficou terminado em 1554. A estrutura do convento era firme e foi construida de
molde a proteger as freiras uma vez que o edifício se encontrava providencialmente extramuros em Lagos.
Sebastiana foi vivendo no Convento do Carmo que era
visitado regularmente pelo senhor prior de Lagos, o licenciado Sebastião
Pereira de Figueiredo. Vésperas puxa completas, matinas puxa laudes, tercia
puxa sexta e lá pela noa já a coisa estava complicada.
Foi tal o falatório que houve visitação. Entre outros Gregório
Dias
“dixe mais que as pessoas que frequentaõ o mosteiro das freiras de nossa senhora do Carmo desta cidade E que nelle tem amizade E continuaõ com ella saõ o prior sebastião pereira cõ huã filha de diogo rebello o Alfaqueque e Pêro Coelho Atalaya de huã Armação cõ huã filha de Rodrigo Rebello por nome Leanor da piedade o que elle declarante sabe por ser ermitaõ de /.../ freiras E os ver continuando a dita amizade ate ao prezente e mais não dixe E do costume disse nada[1] e asinou cõ o sor Bispo domingos de Carualho que o escreuy”,
conforme ficou registado nos autos de visitação. Rodrigo Rebelo era irmão de Vicente Rebelo e Leonor da Piedade sobrinha de Diogo Rebelo.
O prior viu-se forçado a solucionar o problema e não
achou melhor solução que a de casar Sebastiana com o seu irmão, Agostinho Pereira
de Sá, o que de facto aconteceu.
Dizer que foram felizes para sempre é forçar um pouco
a realidade, mas de facto Sebastiana foi mãe de dois rebentos[2] sendo o
mais velho Diogo Rebelo da Fonseca que nasceu a 23 de Novembro de 1622 e cujos
padrinhos foram João Fernandes da Costa Rebelo e Violante Jaques, e que casou duas
vezes: a primeira vez com Sebastiana de
Sousa com um filho, Francisco Morais Rebelo, e a segunda vez com Leonor Coelho
Vieira que entre outros filhos houve a Vicente Ribeiro Cordovil, de quem
falaremos adiante.
Ora Sebastiana enviuvou a 20 de abril de 1629 tendo Diogo
7 anos e sendo Isabel mais nova. Esta condição não era fácil e o habitual era encontrar
novo marido o que aconteceu pouco depois pois o segundo marido, Manuel de
Vilalobos Camacho, já lhe tinha dado uma filha, Isabel, em 1632 seguida de
outros quatro entre os quais Vicente Rebelo de Vilalobos que nos interessa
particularmente.
Ora uma filha deste Vicente, de seu nome Sebastiana
Rebelo de Vilalobos acaba por casar, a 10 de Dezembro de 1687, com o seu primo Vicente Ribeiro Cordovil,
acima, ambos netos da Sebastiana desta história e também ambos oitavos-avós do
autor deste blog e de seus primos Leote Tavares (Lopo Alexandre,
Francisco Rodo e Manuel Rodo), dos Amado Sousa Martins (Marta†, Concha, Luís,
José e Nicas) e Amado da Cunha Guimarães (João Eduardo, Maria Isabel† e António
Carlos) e das respectivas descendências.
Sebastiana Rebelo da Fonseca faleceu em Lagos a 14 de Novembro de 1677, com mais de 70 anos e com testamento no qual pede sejam rezadas missas por alma de sua mãe, que não nomeia deixando-nos na ignorância da sua identidade, e por seu "tio" o padre Sebastião Pereira de Figueiredo, entre outros encargos pios.
A vida é feita destes percalços que são o sal da estória e razão por que sabemos destes episódios que acabam por ser vidas muito vividas e pouco monótonas.
Para terminar ainda informo que o Convento do Carmo
serviu como local de casamento e enterramento de muitas pessoas ao longo dos
anos mas o edifício sofreu fortemente nas suas estruturas e fundações com o terramoto de
1755 tendo ficado muito danificado, morrendo 22 freiras e ferindo-se outras 43.
O edifício foi depois reconstruído pelo bispo Frei Lourenço de Santa Maria[3],
e hoje em dia está sob restauro.
Igreja de Nossa Senhora do Carmo
[1] O que
quer dizer que não tem afinidade alguma ou lítigio com as pessoas alvo das
declarações.
[2] Sua filha
mais nova chamava-se Isabel Rebelo que casou com João de Abreu de Sousa.
[3] Giebels,
Daniel, Igreja de Nossa Senhora do Carmo
(Lagos). RADIX-Ministério da Cultura. http://radix.cultalg.pt/visualizar.html?contexto=18&id=3157
As fontes para este texto foram os os registos paroquiais de Lagos, documentos da Chancelaria da Torre do Tombo, memórias e um artigo de Miguel Maria Telles Moniz Côrte-Real publicado na revista Tabardo, p. 57-141 e alguma liberdade de pena.
Nota adicional explicativa: Vicente Rebelo da Fonseca, 4.º Alfaqueque-mor por confirmação de Filipe I no ano de 1583 [chancelaria de Filipe I, Liv. 3 fols. 203].Teve 45.000 réis de juro e tença em dois padrões [chancelaria de Filipe I, Livs. 2 e 3 fols. 209, 46 e 147] foi comendador de S. Salvador de Serrazes [Serrazes, São Pedro do Sul], na Ordem de Cristo e institui com sua mulher um morgado da terça de ambos, para o qual tomaram uma quinta no contio da Raposeira, [Lagos] onde está a igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, e umas terras contiguas ao paúl de Lagos as quais comprou a Diogo da Fonseca, e todas as terras que tinham no cabo de S. Vicente, a qual instituição de vínculo anexaram ao morgado de seu bisavô Estevão Rebelo, sob certas condições que constam do seu testamento cerrado em 19 de Dezembro de 1597, registado na Torre do Tombo, Liv. IV das Capelas da Coroa, fls 253 v.
As fontes para este texto foram os os registos paroquiais de Lagos, documentos da Chancelaria da Torre do Tombo, memórias e um artigo de Miguel Maria Telles Moniz Côrte-Real publicado na revista Tabardo, p. 57-141 e alguma liberdade de pena.
Nota adicional explicativa: Vicente Rebelo da Fonseca, 4.º Alfaqueque-mor por confirmação de Filipe I no ano de 1583 [chancelaria de Filipe I, Liv. 3 fols. 203].Teve 45.000 réis de juro e tença em dois padrões [chancelaria de Filipe I, Livs. 2 e 3 fols. 209, 46 e 147] foi comendador de S. Salvador de Serrazes [Serrazes, São Pedro do Sul], na Ordem de Cristo e institui com sua mulher um morgado da terça de ambos, para o qual tomaram uma quinta no contio da Raposeira, [Lagos] onde está a igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, e umas terras contiguas ao paúl de Lagos as quais comprou a Diogo da Fonseca, e todas as terras que tinham no cabo de S. Vicente, a qual instituição de vínculo anexaram ao morgado de seu bisavô Estevão Rebelo, sob certas condições que constam do seu testamento cerrado em 19 de Dezembro de 1597, registado na Torre do Tombo, Liv. IV das Capelas da Coroa, fls 253 v.
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